Saudações, nobres cavalheiros,
Todos aqueles que já se arriscaram a percorrer o tortuoso caminho que é criar um cenário para uma aventura de RPG, esbarraram na escolha de um sistema de dados a ser utilizado. Durante nossa trajetória de jogadores e mestres conhecemos e testamos muitos sistemas e evidentemente, nos identificamos mais com um deles. Pensando sobre este assunto e tentando reverter esse marasmo que toma conta de nossa gloriosa Ordem, resolvi discorrer um pouco sobre alguns sistemas mais comuns, fazendo uso não só de minhas opiniões e experiências pessoais, mas também de alguma matemática. Desde já peço desculpas pelo tamanho do artigo... escrever sobre o assunto foi mais empolgante do que prometia!
Sistemas de dados no RPG
O dado de seis faces (d6) é uma das mais emblemáticas imagens de sistemas probabilísticos, dividindo esses méritos com o lançamento de moedas. O d6 é utilizado como ferramenta probabilística em muitos jogos de tabuleiro (ludo, “Banco Imobiliário”, “War”, etc) e pode ser encontrado com facilidade na maioria das residências. Se bem construído, o d6 fornece cada um dos seis resultados possíveis com a mesma freqüência, em outras palavras, todos os resultados são equiprováveis. Cada face do d6 tem uma chance em seis de ser obtido, contabilizando aproximadamente 16,67% para cada uma. Apesar de ser um objeto comum e eficiente em realizar eventos probabilísticos um d6 sozinho tem pouca utilidade numa mesa de RPG. Isso porque as possibilidades oferecidas são apenas seis! O RPG simula um mundo realístico, complexo, com infinitos eventos possíveis. Portanto, dependendo do tipo de informação que se deseja simular em um teste, seis resultados apenas tornam esta simulação muito simplificada. Ainda assim, aproveitando- se do fato dos d6 serem comuns, pode-se associar dois ou mais deles para oferecer mais possibilidades à simulação. Esta é uma saída muito interessante, mas afeta um dos pontos cruciais das probabilidades: a eqüiprobabilidade. Quando se joga mais de um d6 e analisa-se a soma dos resultados, as possibilidades deixam de ser as mesmas. Isso porque determinados valores de soma podem ser obtidos com uma combinação maior de resultados. No caso de lançamento de dois dados, por exemplo, a soma “sete” pode ser obtida com seis resultados distintos (1:6, 2:5, 3:4; 4:3, 5:2, 6:1) em trinta e seis possíveis, ou 16,67% de chance, enquanto a soma “dois” só pode ser obtida com um único resultado (1:1), ou 2,78%. O conhecido sistema GURPS utiliza três d6 como sistema de simulação probabilística e os testes são realizados esperando que, para obter sucesso, o jogador deve somar menos que o valor de seu atributo. No caso de três d6, as somas mais prováveis são “dez” e “onze”, com vinte e sete resultados em duzentos e dezesseis possíveis, ou 12,5% de chance, enquanto a soma mínima, “três”, só é obtida com um único resultado, ou 0,46%. Por isso, no sistema GURPS, o número “dez” é utilizado como base para distribuição de pontos em atributos e perícias. Isso significa que personagens que tenham a pontuação básica (mediana) em determinado atributo tem iguais chances de ser bem ou mal sucedido. Mas caso ele aumente sua pontuação em determina característica de “dez” para “onze”, por exemplo, ele soma a sua chance de sucesso 12,5%. Este sistema é limitado pelo valor máximo possível, “dezoito”, o qual nem o mais azarado jogador de RPG pode superar.
O sistema mais comum no universo do RPG é o d20, utilizado na série D&D. Os dados de vinte faces oferecem uma gama maior de resultados equiprováveis onde cada face tem 5% de chance de ser obtida. No entanto, a utilização dos d20 diferencia-se do sistema GURPS por ser um sistema de adição. Em um sistema desse tipo, o resultado do dado é adicionado a modificadores presentes nas fichas dos personagens ( e as vezes ainda adicionados a bônus ou ônus externos) e comparados com uma referência, que pode ser tanto uma dificuldade pré-estabelecida quanto a comparação direta do resultado entre dois personagens. Os sistemas de adição são limitados pela relação entre a pontuação máxima da ficha e o dado. Isso significa que, se o personagem ou criatura puder evoluir sua ficha até quinze ou vinte pontos em uma determinada característica, o resultado do dado perderá sua importância de forma bastante significativa. Além disso, um personagem desse tipo será praticamente indestrutível diante de personagens com características próximas de cinco (o que para o mestre pode ser muito bom!).
Um outro sistema muito comum é o sistema d10. Assim como os d20, os dados de dez faces também oferecem resultados equiprováveis, 10% para cada face. Além disso, o d10 tem a vantagem de facilitar a associação dos resultados a porcentagens. O sistema d10 mais utilizado (Storyteller) é diferente, tanto do sistema de probabilidade direta (GURPS) quanto do sistema de adição. Neste sistema, cada ponto na ficha representa um dado a ser lançado e, espera-se que o resultado de cada dado seja superior a uma dificuldade pré-estabelecida. O número resultados superiores a essa dificuldade é contado como um sucesso podendo significar com que eficiência o personagem realizou a ação ou comparada ao resultado de outro personagem. Para uma jogada com dificuldade 6, por exemplo, cada dado tem 40% de chance de fornecer um sucesso e 60% de chance de fornecer um fracasso. Se um jogador tiver dois pontos na ficha, ou seja, lançar dois dados, a chance de obter pelo menos um sucesso é de 64%. Se, para o mesmo teste, um jogador tiver direito a lançar três dados, suas chances aumentam para 78,40%. Vale a pena chamar atenção para o fato de que, se o jogador puder lançar apenas um dado, sua chance de obter um sucesso ainda é de 40%! Que apesar de ser a probabilidade mínima, é bastante alta. Para não passar uma idéia falsa de que o sistema d10 “facilita” o jogo, é importante lembrar que o resultado “um” em um dado elimina um sucesso obtido em outro, o que equilibra de certa forma, as probabilidades. Os cálculos para o sistema d10 são relativamente mais complexos que o dos sistemas anteriores e não serão explicados aqui, por não serem o foco principal do texto (mas podem ser reproduzidas por qualquer aluno dedicado às aulas de análise combinatória no ensino médio).
Desta forma, vimos que a escolha do sistema de dados a ser utilizado em um determinado cenário passa por uma seleção de características. Essas características vão desde a facilidade de se encontrar o dado escolhido até o tipo de cálculo probabilístico envolvido. Muitos outros sistemas poderiam ser citados aqui, mas acredito já ter abordado os mais conhecidos e mais utilizados, reservando-me o direito de não escrever tanto. Não cabe me indicar qual deles seria o melhor porque, como foi dito no início do texto, nós nos identificamos sempre com esse ou aquele sem necessariamente apresentar um argumento lógico para a escolha. Mas gostaria de relatar que o sistema de probabilidades indiretas utilizado no sistema d10 me agrada mais, por dar probabilidades iguais a cada dado e mais dados aos mais capazes. De uma forma menos matemática, todos tem as mesmas chances, mas alguns têm mais tentativas!
“Deus não joga dados com o universo”
A. Einstein, sobre a interpretação probabilística
================================
Meu amigo Carrião, Deus não só joga dados, como esconde os resultados...
Vindo da lista de RPG que participo, a Ordem do Dragão Dourado