"Rezo para que nunca se acabem os dragões do mundo. Digo isso com toda a sinceridade, embora tenha tomado parte na morte de uma das grandes serpentes. Pois o dragão é o inimigo quintessencial, o maior dos adversários, o epítome inconquistável da devastação. O dragão, acima de todas as outras criaturas — mesmo dos demônios e diabos —, evoca imagens de esplendor sombrio, da grande fera enrodilhada e adormecida sobre o maior dos tesouros. São o teste supremo do herói e o medo supremo da criança. São mais velhos que os elfos e mais afeitos à terra que os anões. Os grandes dragões representam a besta sobrenatural, o elemento fundamental da besta, aquela parte mais sombria de nossa imaginação.
Os magos não lhes conhecem as origens, apesar de acreditarem que um grande mago, um deus dos magos, deve ter desempenhado algum papel na criação dessas feras. Os elfos, com suas longas fábulas que explicam a criação de cada aspecto do mundo, têm muitas histórias antigas sobre as origens dos dragões, mas admitem, reservadamente, que não fazem realmente a menor idéia de como os dragões vieram a existir.
Minha própria crença é, de longe, a mais simples e, contudo, a mais complicada. Acredito que os dragões apareceram no mundo imediatamente após a criação da primeira raça pensante. Não dou crédito a nenhum deus ou mago por essa criação, e sim a mais básica imaginação — urdida a partir de medos invisíveis — desses primeiros mortais racionais.
Criamos os dragões como criamos os deuses, porque precisamos deles; porque, em algum lugar no fundo de nossos corações, reconhecemos que um mundo sem dragões é um mundo no qual não vale a pena viver.
Há tantas pessoas na terra que querem uma resposta, uma resposta definitiva; para tudo na vida e mesmo para tudo o que possa haver depois da vida. Estudam e testam, e porque esses poucos encontram as respostas para algumas perguntas simples, supõem que deve haver respostas para todas as perguntas. Como era o mundo antes de existirem as pessoas? Será que nada existia a não ser trevas antes do sol e das estrelas? Será que existia alguma coisa? O que éramos nós, cada um de nós, antes de nascermos? E o que — o mais importante de tudo — seremos após morrermos?
Por compaixão, espero que esses questionadores nunca encontrem o que procuram.
Um autoproclamado profeta se apresentou em Dez-Burgos negando a possibilidade de uma pós-vida, alegando que as pessoas que morreram e foram ressuscitadas pelos clérigos na verdade jamais haviam morrido e que suas alegações sobre experiências além-túmulo eram um truque elaborado de seus próprios corações, um ardil para facilitar o caminho em direção ao nada. Pois isso é tudo o que havia, dizia ele, um vazio, um nada.
Jamais em minha vida ouvi falar de alguém que implorasse tão desesperadamente para que provassem que ele estava errado.
Pois o que nos restará se não sobrar nenhum mistério? Que esperança poderemos encontrar se soubermos todas as respostas?
O que é isso dentro de nós, então, que quer negar tão desesperadamente a magia e desvendar o mistério? Medo, eu presumo, baseado nas muitas incertezas da vida e na incerteza maior ainda da morte. Ponha esses medos de lado, digo eu, e viva livre deles, pois, se dermos apenas um passo para trás e observarmos a verdade do mundo, descobriremos que, de fato, há magia ao nosso redor, inexplicável por meio de números e fórmulas. O que é, se não mágica, a paixão evocada pelo discurso arrebatador do comandante antes da batalha desesperada? O que é, se não mágica, a paz que uma criança encontra nos braços da mãe? O que é o amor, se não mágica?
Não, eu não gostaria de viver num mundo sem dragões, assim como não gostaria de viver num mundo sem magia, pois esse é um mundo sem mistério e um mundo sem fé.
E esse, temo eu, seria o truque mais cruel de todos para qualquer ser consciente e racional."
Drizzt Do'Urden
in Rios de Prata